quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Tombo à Luz do Pôr-do-Sol de Brasília.

No intervalo inusitado entre o lá e o aqui,
conecta e desconecta-se o abismo entre o desvio moral e as dores da doença à qual se deve promover.
Sobre os tombos de um bêbado que perdeu a festa,
digo com certeza:
ele faria tudo novamente, igualzinho.
É muito cedo pra virar santo.
É muito cedo pra esquecer o passado.
Mas virão novas festas, e os que estão por cair cairão.
Os que sobreviveram ao tombo estarão melhor preparados.


quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Canal 06

Num dia desses estava sentado defronte ao mar. Deixava a brisa umedecer meu rosto enquanto afinava o violão. Logo seria pôr-do-sol, e gostaria de fazer um luau em sol que tenho elaborado há anos.
Mas chegou um senhor de idade bem avançada, vestido de branco, que entre palavras estranhas percebi o som de algo que sugeriria que ele gostaria de se sentar ao meu lado.
Continuamos ali por uma breve pausa como se nem estivéssemos.
Seu cachimbo de aroma bastante agradável se misturava ao do mar.
O início do assunto foi ele apontando uma pequena senhora meio amarelada, que vinha a certa distância caminhando pela areia, deixando as baixas ondas lamberem seus pés como se fossem o gesto afetuoso do velho cão que nem existe mais.
Ela conversava sozinha, e, sendo fim de inverno, a temperatura não parecia favorável às suas poucas vestimentas. O restante de carne enrugada que ainda lhe cobria os ossos não dava margem pra outros pensamentos que não fossem meio mórbidos.
O velho enfim se pronunciou, e me perguntou:
_ Vocês tem um nome pra pessoas "doentes" como ela, não têm?
_ Respondi de ombros afirmando que sim. Disse que provavelmente era esquizofrenia, ou algo do tipo.
Enquanto isso a senhora seguia sua caminhada de fim de tarde conversando com seus botões...

_ Na verdade ela está falando com aquela que um dia fora sua serviçal mais íntima...
_ E qual seria o conteúdo da conversa?
_ Vou repetir o que conseguir ouvir... certo?

"_ E pensar o quanto isso era bonito. Quando comprei o apartamento a vista dava para o mar, hoje se ergueram sei lá mais quantos à sua frente. E esse cheiro? De onde veio tanta gente pra ter tanta merda assim? Nossa democracia é um fedor.
_ Então por que a senhora não me acompanha, poderemos continuar nossa conversa num belo lugar.
_ Ainda não posso morrer. Eles afirmam que estou louca, e esses meus filhos encardidos estão colocando um advogado pra resolver esses assuntos. Quero ver essa briga enquanto estiver viva. Sabe que gosto de uma boa briga. Deixe que pensem que sou doida. Que partilhem os bens como quiserem.
Enquanto isso continuarei caminhando. Todo dia. Até avistar o navio que trará de volta o meu amor.
_Na verdade ele nem era seu amor... Ele a fez sofrer... Nem estará entre nós.
_ Por isso mesmo. Quero enfiar a mão na cara daquele desgraçado.
Nisso surgiu uma espécie de acompanhante, provavelmente terceirizado, porque não era da família, e a conduziu para seu apartamento sem vistas para o mar.

O velho... Sumiu

Terminei de afinar o violão e improvisei sob o sol que vagarosamente desaparecia na linha do infinito.